A pálida luz da manhã de inverno, O cais e a razão Não dão mais 'esperança, nem menos 'esperança sequer, Ao meu coração. O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não. No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar Não há mais sossego, nem menos sossego sequer, Para o meu 'sperar. O que tem que não ser Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos,quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador. Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 — Lisboa, 30 de novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.
É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e o seu valor é comparado ao de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou-o, juntamente com Pablo Neruda, o mais representativo poeta do século XX. Por ter vivido a maior parte de sua adolescência na África do Sul, a língua inglesa também possui destaque em sua vida, com Pessoa traduzindo, escrevendo, trabalhando e estudando no idioma. Teve uma vida discreta, em que atuou no jornalismo, na publicidade, no comércio e, principalmente, na literatura, onde se desdobrou em várias outras personalidades conhecidas como heterónimos. A figura enigmática em que se tornou movimenta grande parte dos estudos sobre as suas vida e obra, além do fato de ser o centro irradiador da heteronímia, auto-denominando o autor um "drama em gente".
Morreu de cólica hepática aos 47 anos na mesma cidade onde nasceu, tendo a sua última frase sido escrita na língua inglesa: "I know not what tomorrow will bring... " ("Não sei o que o amanhã trará").